quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Ulrich disse:
- Ouves os primeiros compassos de Bach ou Mozart, lês uma página de Goethe ou Corneille, e sabes que afloraste a genialidade!
- Em Mozart e Goethe talvez, porque já sei que é assim; mas não no caso de um desconhecido - defendeu-se o general.
- Achas que não te entusiasmarias mesmo na juventude? O entusiasmo da juventude está ele próprio próximo da genialidade!
- E porquê «ele próprio»? Mas, se queres uma resposta, digo-te: talvez uma diva da ópera me tivesse entusiasmado. E também admirei em tempos Alexandre o Grande, César e Napoleão. Já os escritores e compositores de todos os géneros, em si mesmos, me deixaram sempre indiferente.
Ulrich iniciou a retirada, apesar de sentir que atacara o assunto correctamente, mas do lado errado.
- O que eu quis dizer é que um jovem em pleno desenvolvimento intelectual adivinha o que é genial como uma ave migratória sabe que direcção tomar. Mas provavelmente trata-se de uma confusão, já que quando se é jovem se tem um acesso altamente limitado ao que é significativo. O jovem não tem o sentido do que é importante, mas apenas do que o excita. Nem sequer procura o genial, busca-se a si próprio e àquilo que se presta a conferir substância aos contornos dos seus preconceitos. O que o atrai - explicou - é o que se lhe assemelha, com toda a imprecisão que o acompanha. É mais ou menos aquilo que ele crê que pode ser, e significa para a sua educação o mesmo que o espelho em que se vê, com prazer, mas não apenas por vaidade. Por isso, nada mais natural do que esperar que as obras geniais produzam sobre ele este efeito. Em geral, são obras com marcas de contemporaneidade, e entre elas mais aquelas que tocam estados de espírito do que obras claramente formadas pelo intelecto; do mesmo modo, prefere aos espelhos fiéis aqueles que lhe tomam o rosto mais esguio ou os ombros mais largos ...
- Talvez seja assim - acedeu Stumm, pensativo. - Mas achas que o ser humano se toma mais sensato com o tempo?
- Sem dúvida que o homem maduro está mais capacitado e treinado para reconhecer melhor o que é significativo; mas os seus objectivos pessoais e as suas forças na idade madura também o obrigam a pôr de lado muita coisa. Não rejeita por incompreensão, mas recusa mais coisas.
- É isso, sim - exclamou Stumm, aliviado. - Não é tão limitado como um jovem, mas arrisco dizer que tem vistas mais curtas! E tem de ser assim. Quando nós convivemos com gente nova e imatura, como aqueles que a tua prima prefere, sabe Deus como temos de ter nervos e a sensatez de não entender metade do que eles dizem!
- Também podemos criticá-los.
- Más a tua prima diz que são todos génios! E como vamos nós provar o contrário?
 Robert Musil, O Homem sem Qualidades

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