- Ouves os primeiros
compassos de Bach ou Mozart, lês uma página de Goethe ou Corneille,
e sabes que afloraste a genialidade!
- Em Mozart e Goethe
talvez, porque já sei que é assim; mas não no caso de um
desconhecido - defendeu-se o general.
- Achas que não te
entusiasmarias mesmo na juventude? O entusiasmo da juventude está
ele próprio próximo da genialidade!
- E porquê «ele
próprio»? Mas, se queres uma resposta, digo-te: talvez uma diva da
ópera me tivesse entusiasmado. E também admirei em tempos Alexandre
o Grande, César e Napoleão. Já os escritores e compositores de
todos os géneros, em si mesmos, me deixaram sempre indiferente.
Ulrich iniciou a retirada,
apesar de sentir que atacara o assunto correctamente, mas do lado
errado.
- O que eu quis dizer é
que um jovem em pleno desenvolvimento intelectual adivinha o que é
genial como uma ave migratória sabe que direcção tomar. Mas
provavelmente trata-se de uma confusão, já que quando se é jovem
se tem um acesso altamente limitado ao que é significativo. O jovem
não tem o sentido do que é importante, mas apenas do que o excita.
Nem sequer procura o genial, busca-se a si próprio e àquilo que se
presta a conferir substância aos contornos dos seus preconceitos. O
que o atrai - explicou - é o que se lhe assemelha, com toda a
imprecisão que o acompanha. É mais ou menos aquilo que ele crê que
pode ser, e significa para a sua educação o mesmo que o espelho em
que se vê, com prazer, mas não apenas por vaidade. Por isso, nada
mais natural do que esperar que as obras geniais produzam sobre ele
este efeito. Em geral, são obras com marcas de contemporaneidade, e
entre elas mais aquelas que tocam estados de espírito do que obras
claramente formadas pelo intelecto; do mesmo modo, prefere aos
espelhos fiéis aqueles que lhe tomam o rosto mais esguio ou os
ombros mais largos ...
- Talvez seja assim -
acedeu Stumm, pensativo. - Mas achas que o ser humano se toma mais
sensato com o tempo?
- Sem dúvida que o homem
maduro está mais capacitado e treinado para reconhecer melhor o que
é significativo; mas os seus objectivos pessoais e as suas forças
na idade madura também o obrigam a pôr de lado muita coisa. Não
rejeita por incompreensão, mas recusa mais coisas.
- É isso, sim - exclamou
Stumm, aliviado. - Não é tão limitado como um jovem, mas arrisco
dizer que tem vistas mais curtas! E tem de ser assim. Quando nós
convivemos com gente nova e imatura, como aqueles que a tua prima
prefere, sabe Deus como temos de ter nervos e a sensatez de não
entender metade do que eles dizem!
- Também podemos
criticá-los.
- Más a tua prima diz que
são todos génios! E como vamos nós provar o contrário?
Robert
Musil, O
Homem sem Qualidades
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