sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Tem sido um esforço incessante descrever a verdade como ela se me apresentou, e o exacto modo como a alcancei. Este exercício tem-me proporcionado uma inefável paz mental, pois a minha profunda esperança sempre consistiu em levar aos hesitantes a fé na Verdade e no Ahimsa*.
A minha experiência constante convenceu-me de que não há outro Deus senão a Verdade. E se todas as páginas deste capítulo não proclamarem ao leitor que o único meio para a realização da Verdade é o Ahimsa, devo concluir que todo o meu trabalho de escrevê-las foi em vão. E, mesmo que os meus esforços nesse sentido sejam infrutíferos, quero que os leitores saibam que foi o veículo, e não o grande princípio, que falhou. Depois de tudo, por mais sinceras que tenham sido as minhas buscas do Ahimsa, elas não deixaram de ser imperfeitas e inadequadas. Os pequenos vislumbres que possa ter tido da Verdade dificilmente podem exprimir o seu brilho indescritível, que é um milhão de vezes mais intenso que o do Sol, que vemos diariamente com os nossos olhos. Com efeito, o que consegui perceber foi apenas o que há de mais fraco e trémulo nessa poderosa fulgurância. Mas posso assegurar que, como resultado das minhas experiências, uma perfeita compreensão da Verdade só pode resultar da completa percepção do Ahimsa.
Para ver face a face o Espírito da Verdade universal, que tudo permeia, o indivíduo deve amar a mais insignificante criatura como a si próprio. E um homem que quer chegar a isto não pode permanecer fora de nenhum campo da vida. É por isso que a minha devoção à Verdade me levou ao campo da política. E posso afirmar, sem a menor hesitação e ainda assim humildemente, que aqueles que dizem que religião não tem nada que ver com política não sabem o que significa religião.
A identificação com tudo o que vive é impossível sem uma autopurificação. Sem ela, a observância da lei do Ahimsa permanecerá um sonho vazio. Deus jamais será realizado por alguém que não tenha o coração puro. A autopurificação, portanto, deve implicar a ascese em todos os aspectos da vida. Por ser contagiosa, a purificação de nós mesmos leva à purificação dos que nos rodeiam.
Mas o caminho para a autopurificação é árduo e íngreme. Para a atingir, o indivíduo tem de se tornar absolutamente livre de paixões em pensamentos, palavras e acções. Tem de elevar-se acima das correntes opostas de apego e ódio, atracção e repulsa. Sei que ainda não tenho dentro de mim esta tríplice pureza, apesar da minha constante e incessante luta por ela. É por isso que os elogios do mundo não me comovem, na verdade com muita frequência me doem. Conquistar estas paixões subtis parece-me mais difícil que a conquista física do mundo pela força dos braços. Desde o meu regresso à Índia, tenho tido experiências com paixões latentes, escondidas no meu interior. O conhecimento delas fez que me sentisse humilhado, mas não vencido. As experiências e a experimentação têm-me sustentado, proporcionando-me grande alegria. Mas sei que ainda tenho um caminho difícil a transpor. Devo reduzir-me a zero. Enquanto o homem não se colocar por livre e espontânea vontade como a última de todas as criaturas, não há salvação para ele. O Ahimsa é o limite máximo da humildade.
Ao despedir-me do leitor, pelo menos por enquanto, peço-lhe que se una a mim em oração ao Deus da Verdade, para que Ele possa conceder-me o benefício do Ahimsa em pensamento, palavra e acção.

Mohandas Gandhi, A minha Vida e as minhas Experiências com a Verdade

*Ahimsa: termo sânscrito (a = não + himsa = dano ou injúria) que significa «não-violência» em qualquer das esferas da acção humana, ou seja, física, verbal ou mental.

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