No decurso dessa segunda
primavera o Khamsin foi o pior de que guardo memória. Antes do
Poente, o céu do deserto tomava-se castanho, depois ia escurecendo
lentamente, entumecia-se como uma face esbofeteada e fazia explodir
as franjas das nuvens, gigantescas oitavas de almagre que se
acumulavam sobre o delta como cortinas de cinzas debaixo de um
vulcão. A cidade contrai-se como preparando-se para enfrentar uma
tempestade. Algumas rajadas de vento trazendo esparsas gotas de chuva
são as guardas-avançadas da obscuridade que apaga o céu. E,
impalpável, invisível, na obscuridade das alcovas com as persianas
fechadas, a areia invade tudo, aparece, como por magia, nas roupas há
muito fechadas nos armários, insinua-se entre as páginas dos
livros, deposita-se sobre os quadros e sobre as colheres. Nas
fechaduras e debaixo das unhas. O ar soluça, vibra, seca as mucosas
e injeta os olhos de sangue. Nuvens de sangue seco percorrem as ruas
como profecias; a areia cai sobre o mar como a poeira sobre os
caracóis de uma velha cabeleira suja. As canetas de tinta permanente
entopem, os lábios estalam e as lâminas das persianas cobrem-se de
uma fina película branca como se fosse neve fresca. Os faluchos
fantasmagóricos que deslizam no canal são tripulados por lobisomens
com a cabeça envolvida em trapos. De vez em quando, uma rabanada de
vento estala como uma chicotada, de cima para baixo, faz turbilhonar
toda a cidade, e tem-se a impressão de que as árvores, os
minaretes, os monumentos e as pessoas são arrastados no derradeiro
turbilhão de um tomado gigantesco, levados pelas areias do deserto
de onde provieram, regressando ao imenso nada esculpido das planícies
infinitas das dunas ...
Lawrence Durrel, O Quarteto de Alexandria, Justine
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