O Egito estava
verdadeiramente ali - o Egito copta -, ao passo que a cidade branca,
como vista através de um prisma embaciado, fervilhava de imagens
perturbadoras e indesejáveis oriundas de países
estranhos¸infiltrações da Grécia, da Síria e da Tunísia.
O tempo estava bom e as
barcas de fundo chato deslizavam entre os feijoais para os afluentes
do rio, com as suas mastreações longas e curvas, arcos tesos sobre
a corda da corrente. Algures cantarolava um barqueiro marcando o
compasso num tamboril de barro, e a sua voz misturava-se ao suspiro
dos sakkias e ao martelar dos carpinteiros que fabricavam
rodas sem aros destinadas às carroças e às charruas de lâmina
curta que trabalhavam as terras aluviais do delta.
Os martinhos de plumagem
deslumbrante rasavam a superfície das águas como flechas luminosas,
ao passo que, aqui e além, pequenas corujas acastanhadas, esquecidas
dos hábitos noturnos da sua espécie, voejavam de uma margem para a
outra ou se aninhavam nas árvores aos pares, silenciosas.
Os campos tinham começado
a dilatar-se para ambos os lados da pequena cavalgada, verdes e
perfumados com as ricas sementeiras de bercim e favas, mas o
caminho seguia obstinadamente ao longo das margens do rio, de tal
modo que os cavaleiros eram perseguidos pelos reflexos das suas
imagens. Aqui e além descobriam lugarejos onde as casas de paredes
de lama crua e de tetos planos, cobertos de espigas de milho, tinham
agora uma bonita cor de um amarelo-ouro. Cruzaram ocasionalmente uma
procissão de camelos que se encaminhavam para uma barca, ou uma
manada de grandes gamoose negros - os búfalos egípcios - que
mergulhavam os focinhos na lama pútrida dos pântanos, sacudindo as
moscas da pele pergaminhada com chicotadas da cauda pesada como
chumbo. Os seus grandes cornos curvos pareciam saídos de um fresco
antigo.
Nessim refletiu com
prazer, enquanto continuavam a cavalgar para a propriedade dos
Hosnani, que a vida naquelas paragens se movia lentamente - mulheres
batendo manteiga em odres de pele de cabra, suspensos num tripé de
bambus, ou descendo para o rio, em fila indiana, com as bilhas.
Homens em longas vestes de algodão azul, cantando e fazendo girar as
rodas hidráulicas, matronas envolvidas da cabeça aos pés em
túnicas negras cobertas de uma fina película de poeira que a moda
exige, com os colares de pérolas azuis contra o mau-olhado.
Lawrence Durrel, O Quarteto de Alexandria. Balthazar
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