domingo, 12 de maio de 2013


O Egito estava verdadeiramente ali - o Egito copta -, ao passo que a cidade branca, como vista através de um prisma embaciado, fervilhava de imagens perturbadoras e indesejáveis oriundas de países estranhos¸infiltrações da Grécia, da Síria e da Tunísia.
O tempo estava bom e as barcas de fundo chato deslizavam entre os feijoais para os afluentes do rio, com as suas mastreações longas e curvas, arcos tesos sobre a corda da corrente. Algures cantarolava um barqueiro marcando o compasso num tamboril de barro, e a sua voz misturava-se ao suspiro dos sakkias e ao martelar dos carpinteiros que fabricavam rodas sem aros destinadas às carroças e às charruas de lâmina curta que trabalhavam as terras aluviais do delta.
Os martinhos de plumagem deslumbrante rasavam a superfície das águas como flechas luminosas, ao passo que, aqui e além, pequenas corujas acastanhadas, esquecidas dos hábitos noturnos da sua espécie, voejavam de uma margem para a outra ou se aninhavam nas árvores aos pares, silenciosas.
Os campos tinham começado a dilatar-se para ambos os lados da pequena cavalgada, verdes e perfumados com as ricas sementeiras de bercim e favas, mas o caminho seguia obstinadamente ao longo das margens do rio, de tal modo que os cavaleiros eram perseguidos pelos reflexos das suas imagens. Aqui e além descobriam lugarejos onde as casas de paredes de lama crua e de tetos planos, cobertos de espigas de milho, tinham agora uma bonita cor de um amarelo-ouro. Cruzaram ocasionalmente uma procissão de camelos que se encaminhavam para uma barca, ou uma manada de grandes gamoose negros - os búfalos egípcios - que mergulhavam os focinhos na lama pútrida dos pântanos, sacudindo as moscas da pele pergaminhada com chicotadas da cauda pesada como chumbo. Os seus grandes cornos curvos pareciam saídos de um fresco antigo.
Nessim refletiu com prazer, enquanto continuavam a cavalgar para a propriedade dos Hosnani, que a vida naquelas paragens se movia lentamente - mulheres batendo manteiga em odres de pele de cabra, suspensos num tripé de bambus, ou descendo para o rio, em fila indiana, com as bilhas. Homens em longas vestes de algodão azul, cantando e fazendo girar as rodas hidráulicas, matronas envolvidas da cabeça aos pés em túnicas negras cobertas de uma fina película de poeira que a moda exige, com os colares de pérolas azuis contra o mau-olhado.
Lawrence Durrel, O Quarteto de Alexandria. Balthazar

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