Saiu bem-disposto para a
rua que o crepúsculo já começava a invadir, contando o dinheiro e
sorrindo. Era a melhor hora do dia em Alexandria: as ruas tomavam
lentamente a coloração azul-metálico do papel químico, mas
continuavam a libertar o calor louro do sol. Na cidade ainda não se
tinham acendido todas as luzes, e grandes fragmentos de crepúsculo
malva flutuavam aqui e além, esbatendo os contornos de todas as
coisas, esfumando os navios e os seres humanos em linhas confusas. Os
cafés sonolentos despertavam lentamente nos acordes piegas dos
bandolins e no rangido dos pneus sobreaquecidos pelo asfalto das
ruas, onde começavam a pulular os vestidos brancos e os tarbushes
vermelhos. Um odor penetrante de húmus e de urina escapava-se
dos vasos de flores dependurados nas janelas. Os grandes automóveis
partiam da Bolsa num concerto de buzinas tal como um bando de aves de
uma espécie particular levantando voo. Sentir-se semicego pelos
revérberos do crepúsculo, caminhar despreocupadamente, misturar-se
com a multidão, o espírito em paz, naquele ar seco e vivificante
... eram os raros momentos de felicidade que o acaso lhe concedia. Os
passeios conservavam ainda todo o calor, como as melancias abertas
antes da noite; um calor húmido que se insinua lentamente através
das solas dos sapatos. As brisas vindas do mar iam refrescar a cidade
alta em rajadas que se sentiam apenas espasmodicamente. Uma pessoa
movia-se aqui no ar seco, carregado de eletricidade estática (o
poente crepitava nos cabelos), como se nadasse num tépido mar
estival percorrido por pequenas correntes frias. Pursewarden
dirigiu-se calmamente para Baudrot, atravessando ilhas flutuantes de
aromas - uma mulher que passa numa nuvem de perfume, ou o cheiro
intenso do jasmim escapando-se do orifício negro de uma arcada -,
sabendo que dentro de pouco tempo o ar húmido do mar os absorveria a
todos. Era a hora ideal para tomar um apéritif .
Os extensos balcões de
madeira onde se alinhavam os vasos de plantas que exalavam o odor
crepuscular de terra regada recentemente estavam agora todos ocupados
por criaturas humanas, semifundidas pela miragem em fugitivas
caricaturas de gestos imediatamente desfeitos. Os toldos, raiados,
multicolores, palpitavam debilmente sobre os véus azuis que se
agitavam, inquietos, nas ruelas progressivamente invadidas pela
sombra, estremecendo como os sentidos dos amantes que por ali
rondavam, esperando a amada, os gestos cintilando como borboletas
cheias de todas as promessas noturnas de Alexandria. Em breve a bruma
se dissiparia e as luzes abrasariam as pratas e as toalhas brancas,
os brincos e as joias rutilantes, as cabeleiras lisas e luzentes e os
sorrisos tornados mais radiantes pela sua natureza obscura - peles
morenas marcadas pelo brilho imaculado de um sorriso. Depois os
automóveis regressavam lentamente da cidade alta com a sua elegante
e frágil carga de foliões ... Era o melhor momento do dia.
Encostado a uma grade de madeira, anónimo, contemplava com um olhar
distraído o espetáculo da rua. Mesmo as silhuetas da mesa vizinha
não tinham rosto: simples contornos de seres humanos. As vozes
chegavam-lhe através da bruma malva da tarde, vozes veladas de
alexandrinos recitando as cotações da bolsa ou poemas de amor em
árabe ... quem sabe?
Lawrence Durrel, O Quarteto de Alexandria. Mountolive
Lawrence Durrel, O Quarteto de Alexandria. Mountolive
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