sábado, 1 de junho de 2013

Saiu bem-disposto para a rua que o crepúsculo já começava a invadir, contando o dinheiro e sorrindo. Era a melhor hora do dia em Alexandria: as ruas tomavam lentamente a coloração azul-metálico do papel químico, mas continuavam a libertar o calor louro do sol. Na cidade ainda não se tinham acendido todas as luzes, e grandes fragmentos de crepúsculo malva flutuavam aqui e além, esbatendo os contornos de todas as coisas, esfumando os navios e os seres humanos em linhas confusas. Os cafés sonolentos despertavam lentamente nos acordes piegas dos bandolins e no rangido dos pneus sobreaquecidos pelo asfalto das ruas, onde começavam a pulular os vestidos brancos e os tarbushes vermelhos. Um odor penetrante de húmus e de urina escapava-se dos vasos de flores dependurados nas janelas. Os grandes automóveis partiam da Bolsa num concerto de buzinas tal como um bando de aves de uma espécie particular levantando voo. Sentir-se semicego pelos revérberos do crepúsculo, caminhar despreocupadamente, misturar-se com a multidão, o espírito em paz, naquele ar seco e vivificante ... eram os raros momentos de felicidade que o acaso lhe concedia. Os passeios conservavam ainda todo o calor, como as melancias abertas antes da noite; um calor húmido que se insinua lentamente através das solas dos sapatos. As brisas vindas do mar iam refrescar a cidade alta em rajadas que se sentiam apenas espasmodicamente. Uma pessoa movia-se aqui no ar seco, carregado de eletricidade estática (o poente crepitava nos cabelos), como se nadasse num tépido mar estival percorrido por pequenas correntes frias. Pursewarden dirigiu-se calmamente para Baudrot, atravessando ilhas flutuantes de aromas - uma mulher que passa numa nuvem de perfume, ou o cheiro intenso do jasmim escapando-se do orifício negro de uma arcada -, sabendo que dentro de pouco tempo o ar húmido do mar os absorveria a todos. Era a hora ideal para tomar um apéritif .
Os extensos balcões de madeira onde se alinhavam os vasos de plantas que exalavam o odor crepuscular de terra regada recentemente estavam agora todos ocupados por criaturas humanas, semifundidas pela miragem em fugitivas caricaturas de gestos imediatamente desfeitos. Os toldos, raiados, multicolores, palpitavam debilmente sobre os véus azuis que se agitavam, inquietos, nas ruelas progressivamente invadidas pela sombra, estremecendo como os sentidos dos amantes que por ali rondavam, esperando a amada, os gestos cintilando como borboletas cheias de todas as promessas noturnas de Alexandria. Em breve a bruma se dissiparia e as luzes abrasariam as pratas e as toalhas brancas, os brincos e as joias rutilantes, as cabeleiras lisas e luzentes e os sorrisos tornados mais radiantes pela sua natureza obscura - peles morenas marcadas pelo brilho imaculado de um sorriso. Depois os automóveis regressavam lentamente da cidade alta com a sua elegante e frágil carga de foliões ... Era o melhor momento do dia. Encostado a uma grade de madeira, anónimo, contemplava com um olhar distraído o espetáculo da rua. Mesmo as silhuetas da mesa vizinha não tinham rosto: simples contornos de seres humanos. As vozes chegavam-lhe através da bruma malva da tarde, vozes veladas de alexandrinos recitando as cotações da bolsa ou poemas de amor em árabe ... quem sabe? 

Lawrence Durrel, O Quarteto de Alexandria. Mountolive

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