segunda-feira, 15 de julho de 2013

Terras antigas em toda a sua integridade pré-histórica: solidões lacustres mal afloradas pelos povos apressados dos séculos ou das linhagens contínuas dos pelicanos, das íbis e das garças cumprindo os seus lentos destinos num isolamento total. Manchas esverdeadas onde pululam as serpentes e as nuvens de mosquitos. Paisagem onde não se ouve o canto de qualquer ave e, contudo, povoada pelas corujas, pelas poupas e pelos alciões que de dia caçam e espojam a plumagem nas águas acastanhadas dos canais. Matilhas de cães semisselvagens e búfalos de olhos vendados atrelados às noras e rondando numa eternidade de trevas. Pequenos santuários à margem dos caminhos - paredes de terra, solo de palha fresca -, onde o viajante devoto pode fazer as suas orações. O Egito! Velas desfraldadas como asas percorrendo os canais e, às vezes, uma voz humana, um fragmento de canção. O ruído seco do vento esfarelando o milho entre os seus dedos. Lama líquida projetada pelos vendavais no ar carregado de poeira, engendrando miragens, perspetivas espoliadas. Um pedaço de lama dilata-se e toma as dimensões de um homem, de um homem com o tamanho de uma catedral. Porções inteiras do céu e da terra deslocam-se, erguem-se como uma tampa e voltam-se às avessas. Rebanhos de carneiros atravessam esses espelhos deformados, aparecem e desaparecem, aguilhoados pelos gritos nasalados de invisíveis pastores. Uma imensa convergência de imagens pastorais vindas da história esquecida de um mundo muito antigo, que vive ainda, lado a lado com aquele que herdámos. Nuvens de formigas, de asas prateadas, que se elevam ao encontro das incandescências da luz. O bater dos tamancos sobre os carreiros de lama ressequida deste mundo perdido ressoa como o pulsar de uma veia, e o espírito flutua e afoga-se no meio destas velas e destes arcos-íris em fusão.

E por fim, seguindo as
curvas dos diques verdejantes, eis a velha casa construída numa
interseção dos canais violeta, com as suas persianas gretadas e
descoloridas, ciosamente fechadas, e as salas ornamentadas com
troféus de dervixes: escudos de pele, lanças manchadas de sangue e
tapetes magníficos. Os jardins abandonados. Somente as figurinhas da
parede movem as asas de celuloide - espantalhos contra a mofina. O
silêncio do abandono total. De resto, todo o interior do Egito
partilha este sentimento melancólico de ter sido abandonado, de cair
em ruínas, de crescer e fragmentar-se e pulverizar-se sob um sol de
cobre em fusão.
Lawrence Durrel, O Quarteto de Alexandria. Clea

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