Terras antigas em toda a
sua integridade pré-histórica: solidões lacustres mal afloradas
pelos povos apressados dos séculos ou das linhagens contínuas dos
pelicanos, das íbis e das garças cumprindo os seus lentos destinos
num isolamento total. Manchas esverdeadas onde pululam as serpentes e
as nuvens de mosquitos. Paisagem onde não se ouve o canto de
qualquer ave e, contudo, povoada pelas corujas, pelas poupas e pelos
alciões que de dia caçam e espojam a plumagem nas águas
acastanhadas dos canais. Matilhas de cães semisselvagens e búfalos
de olhos vendados atrelados às noras e rondando numa eternidade de
trevas. Pequenos santuários à margem dos caminhos - paredes de
terra, solo de palha fresca -, onde o viajante devoto pode fazer as
suas orações. O Egito! Velas desfraldadas como asas percorrendo os
canais e, às vezes, uma voz humana, um fragmento de canção. O
ruído seco do vento esfarelando o milho entre os seus dedos. Lama
líquida projetada pelos vendavais no ar carregado de poeira,
engendrando miragens, perspetivas espoliadas. Um pedaço de lama
dilata-se e toma as dimensões de um homem, de um homem com o tamanho
de uma catedral. Porções inteiras do céu e da terra deslocam-se,
erguem-se como uma tampa e voltam-se às avessas. Rebanhos de
carneiros atravessam esses espelhos deformados, aparecem e
desaparecem, aguilhoados pelos gritos nasalados de invisíveis
pastores. Uma imensa convergência de imagens pastorais vindas da
história esquecida de um mundo muito antigo, que vive ainda, lado a
lado com aquele que herdámos. Nuvens de formigas, de asas prateadas,
que se elevam ao encontro das incandescências da luz. O bater dos
tamancos sobre os carreiros de lama ressequida deste mundo perdido
ressoa como o pulsar de uma veia, e o espírito flutua e afoga-se no
meio destas velas e destes arcos-íris em fusão.
Lawrence Durrel, O Quarteto de Alexandria. Clea
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