sábado, 10 de agosto de 2013

Lembro Espinoza, que definia a superstição como a quimera do espírito humano. E assim, caminhando no abandono dos pensamentos, chego ao assunto deste breve prelúdio à literatura brasileira. Para mim, os primeiros encontros com as Letras brasileiras foram fatais, porque as conheci pelo lado irreal e evocatório da narrativa doutro país de que nada se sabe. O lado quimérico, digamos.
Havia em casa uma «Biblioteca Internacional de Obras Célebres», compilada por gente douta e aplicada nos seus conhecimentos. Eram vinte e quatro volumes, com ilustrações relativas aos textos, obra de artistas famosos; tinha também retratos dos autores, e foi lá que pela primeira vez vi Pushkin, George Sand, Machado de Assis, e muitos outros. Aos dez anos, tomar assim contacto com a literatura universal tem qualquer coisa de magia. A ninfa das águas, de Hoffmann, passando na aba dos exércitos de Napoleão, deixava-me uma impressão de curiosidade bem perto do amor pela arte de contar. Certas histórias aterradoras de Poe foi aí que as aprendi, assim como a sua poesia «O Corvo», ou os líricos versos de «Annabel Lee». E tudo isso me deixava alvoroçada, quase febril. Eu admirava o poder narrativo de tão magníficos mestres que, para mim, eram magos, capazes de transformar em encantamentos as desilusões deste mundo. Por isso eu me referi aos pensamento de Espinoza sobre a superstição. Mas enquanto que a superstição nunca encontra durável satisfação para as desgraças humanas, e tem de ser constantemente mudada noutra superstição diferente, a arte narrativa, ficção estável e como tal reconhecida, não nos subjuga, só nos consola; não se torna um meio de governar as massas, mas um refúgio para os seus desastres e misérias, se eles são rotineiros e não desencadeados num ritmo desesperado.
A quimera da literatura começa por não ter cerimonial; não exige um respeito constante, não tem uma importância dominante. Tão depressa nos faz companhia, se a solicitamos, como a deixamos de lado; levando, no entanto, na mente o seu doce pretexto para tomar o mundo como uma fábula com consequências que a matéria suporta gloriosamente.

Agustina Bessa-Luís, Breviário do Brasil 

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