Autoritárias,
paralisadoras, circulares, às vezes elípticas, as frases de efeito,
também jocosamente denominadas pedacinhos de ouro, são uma praga
maligna, das piores que têm assolado o mundo. Dizemos aos confusos,
Conhece-te a ti mesmo, como se conhecer-se a si mesmo não fosse a
quinta e mais dificultosa operação das aritméticas humanas,
dizemos aos abúlicos, Querer é poder, como se as realidades
bestiais do mundo não se divertissem a inverter todos os dias a
posição relativa dos verbos, dizemos aos indecisos, Começar pelo
princípio, como se esse princípio fosse a ponta sempre visível de
um fio mal enrolado que bastasse puxar e ir puxando até chegarmos à
outra ponta, a do fim, e como se, entre a primeira e a segunda,
tivéssemos tido nas mãos uma linha lisa e contínua em que não
havia sido preciso desfazer nós nem desenredar estrangulamentos,
coisa impossível de acontecer na vida dos novelos e, se uma outra
frase de efeito é permitida, nos novelos da vida. Marta disse ao
pai, Comecemos pelo princípio, e parecia que só faltava que um e
outro se sentassem à bancada a modelar bonecos entre uns dedos
subitamente ágeis e exactos, com a antiga habilidade recuperada de
uma longa letargia. Puro engano de inocentes e desprevenidos, o
princípio nunca foi a ponta nítida e precisa de uma linha, o
princípio é um processo lentíssimo, demorado, que exige tempo e
paciência para se perceber em que direcção quer ir, que tenteia o
caminho como um cego, o princípio é só o princípio, o que fez
vale tanto como nada.
José Saramago, A Caverna
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