Foi
numa dessas manhãs pacíficas que nos demos conta de que sobre a
terra do pote, entre os galhos da hortênsia, uma melra começara a
fazer ninho. Que a planta semimorta não poderia ser regada pouco
importava, mas um ninho ali ia-nos impedir de abrir a janela.
Enxotámos a melra. O macho, pousado numa árvore, aparentemente
desinteressado, cantava a sua canção.
No
dia seguinte, porém, quando chegámos a casa, encontrámo-los ambos
a trabalhar com tal azáfama que tinham já o ninho quase pronto e
seria crueldade enxotá:los. (...)
Passadas
cerca de duas semanas tinham nascido os filhotes, e desde então
ambos os pais não faziam senão acarretar constantemente a comida
para aqueles bicos que se abriam cheios de exigência. Ganharam
penugem, cresceram, engordaram, cobriram-se de penas, tornaram-se
melros em miniatura, e quando os vimos esforçar-se por abandonar o
ninho, compreendemos que não demoraria a que desaparecessem.
Mas
como o fariam? Saltar a escassa altura entre o ninho e o chão da
varanda parecia obstáculo de pouca monta.
Mas
com que forças iriam vencer os vinte e poucos metros que os
separavam das árvores?
O
chilrear acordou-nos uma manhã muito cedo e, escondidos atrás das
cortinas, vimos que três dos pequenitos estavam já no rebordo da
varanda. A mãe tinha desaparecido e no ninho o pai, empurrando-os
gentilmente, instigava os outros dois a que saltassem. Finalmente, a
tremelicar do corpo e das patas, ficaram os cinco alinhados, como
recrutas à espera de ordens. E eu, se o não tivesse visto com os
meus próprios olhos, teria dificuldade em acreditar no que
testemunhei.
Para
as forças que tinham a distância era demasiada para um primeiro
voo, e a excitação com que o pai saltitava e voejava em torno não
bastava para convencê-los a arriscar.
Tiritavam,
inclinavam-se para a frente, para trás, agachavam-se incapazes de
ficar mais tempo em pé. Foi então que o pai, literalmente, empurrou
um deles para o precipício, e assim que as asas do pequenito se
puseram pela primeira vez a funcionar, o acompanhou voando a menos
dum palmo sob ele, a dar-lhe ao mesmo tempo exemplo e a certeza de
que se lhe faltasse a força não havia perigo, pois asas maiores o
acolheriam.
Quatro
vezes se repetiu essa bela cena de devoção e eu, desde então, não
vejo um sem recordar que até dos melros se podem receber lições de
amor paternal.
J. Rentes de Carvalho, Mazagran
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