Na sua tão simpática
carta a senhora diz-se chocada com os grandes incêndios que no Verão
sistematicamente destroem as matas de Portugal e pergunta-se se eu,
português e escritor, não terei possibilidade duma ou doutra
maneira pôr cobro a essas calamidades.
Porque não a conheço,
tenho de supor que a senhora vive com a noção mítica de que o
escritor é um ente com poderes e meios de influenciar a sociedade.
Mito, aliás, que os próprios escritores em geral ajudam a propagar.
Mas deixe-me desde já dizer-lhe que assim não é. (...)
Mau grado o desassossego
que isso possa vir a causar, pessoalmente inclino-me para a abolição
do mito da importância do escritor na vida dos povos. Do mesmo modo
que veria com bons olhos que, socialmente, os escritores fossem
equiparados aos varredores e outras profissões humildes como a de
lava-loiça ou assistente de limpeza. Entre os vários benefícios
que isso traria, creio que se contribuiria também para pôr termo à
extraordinária inflação que a actividade da escrita actualmente
conhece na maioria dos países, a ponto de em muitos deles a
flatulência se ter tornado tema literário, e a edição e venda de
livros ganhar fortes parecenças com o comércio de vento.
Embora com nenhuma
esperança de vê-lo chegar, eu sonho com o dia em que nas livrarias
e nas bibliotecas se encontrem apenas os livros que nos enriquecem o
espírito ou nos divertem. Não vá julgar que eu desejaria ver
proibidos os restantes. De forma alguma. A esses, a gigantesca massa
dos volumes em que gente sem talento nos dá conta das doentias
vivências das suas pequeninas almas, eu desejaria apenas que fosse
aplicada uma taxa segundo o princípio já corrente de que o poluidor
deve pagar. Quem sabe se então, desencorajados, os pseudo-escritores
não se deixariam tentar por uma actividade útil como é, por
exemplo, a de bombeiro em Portugal.
J. Rentes de Carvalho, Mazagran
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