Para mim, que recuso ir de
férias, desde há décadas só me desloco se o trabalho a isso
obriga, o simples pensamento das tuas viagens, e das dos milhões de
indivíduos que constantemente percorrem o globo com o único fito de
ver e de «viver», basta para me perturbar. Não apenas pela repulsa
que nutro pelo turismo, a grande quimera do nosso tempo, mas pela
minha entranhada certeza de que no mundo em que vivemos, e passada
certa idade, o anseio de viajar é sintoma de uma inquietante
perturbação.
(...)
Primeiro de tudo, o viajar
por viajar deveria ser reservado aos jovens. Para os seus espíritos
desassombrados e carecidos de experiência, tudo é descoberta,
encanto, todas as vivências são novas e únicas. Descem numa
estação grega, chegam a uma praceta italiana, para eles aquilo é
um maravilhoso mundo. Com razão. Porque no tempo da juventude tudo
no estrangeiro, mesmo o sol, reluz com um brilho mais forte. Em cada
esquina espera-os um confronto, em cada sorriso lêem uma promessa,
para eles mesmo o atravessar da rua, o penetrar no hotel, é
aventura.
(...)
Cada adulto atacado do
irreprimível desejo de viajar possuirá uma vasta gama de razões
para defender a sua febre desde a necessidade do vazio que as férias
oferecem, até ao pseudo-enriquecimento que as viagens causam.
Simplesmente nenhuma delas me parece válida. Passados os anos
dourados da juventude o espírito não se enriquece, ordena-se. E
pobres daqueles que acalentam a ilusão de que o vazio existe e se
pode alcançar em Monastir ou no México. Convicto de que na segunda
metade da vida as viagens são inúteis, eu receio que de facto uns e
outros apenas procuram motivos para adiar as viagens essenciais: as
que um dia infalivelmente acabamos por fazer à terra incognita
que somos para nós próprios.
J. Rentes de Carvalho, Mazagran
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