domingo, 27 de outubro de 2013

Para mim, que recuso ir de férias, desde há décadas só me desloco se o trabalho a isso obriga, o simples pensamento das tuas viagens, e das dos milhões de indivíduos que constantemente percorrem o globo com o único fito de ver e de «viver», basta para me perturbar. Não apenas pela repulsa que nutro pelo turismo, a grande quimera do nosso tempo, mas pela minha entranhada certeza de que no mundo em que vivemos, e passada certa idade, o anseio de viajar é sintoma de uma inquietante perturbação.
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 Primeiro de tudo, o viajar por viajar deveria ser reservado aos jovens. Para os seus espíritos desassombrados e carecidos de experiência, tudo é descoberta, encanto, todas as vivências são novas e únicas. Descem numa estação grega, chegam a uma praceta italiana, para eles aquilo é um maravilhoso mundo. Com razão. Porque no tempo da juventude tudo no estrangeiro, mesmo o sol, reluz com um brilho mais forte. Em cada esquina espera-os um confronto, em cada sorriso lêem uma promessa, para eles mesmo o atravessar da rua, o penetrar no hotel, é aventura.
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Cada adulto atacado do irreprimível desejo de viajar possuirá uma vasta gama de razões para defender a sua febre desde a necessidade do vazio que as férias oferecem, até ao pseudo-enriquecimento que as viagens causam. Simplesmente nenhuma delas me parece válida. Passados os anos dourados da juventude o espírito não se enriquece, ordena-se. E pobres daqueles que acalentam a ilusão de que o vazio existe e se pode alcançar em Monastir ou no México. Convicto de que na segunda metade da vida as viagens são inúteis, eu receio que de facto uns e outros apenas procuram motivos para adiar as viagens essenciais: as que um dia infalivelmente acabamos por fazer à terra incognita que somos para nós próprios. 
J. Rentes de Carvalho, Mazagran

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