terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

E, no entanto, desde que aprendi a pensar, sinto-me impelido por - digamos por um instinto, por uma força - que me faz, quase sem interrupção, escolher isto e aquilo, agir de uma maneira e não de outra. Ora - e isto é o mais desconcertante -, noto que não ajo em sentidos contraditórios. Tudo se passa, por conseguinte, exactamente como se estivesse submetido a uma regra inflexível... Sim, mas que regra? Ignoro-a! Cada vez que, num momento sério da minha vida, este impulso interno me faz escolher uma direcção determinada e agir nesse sentido, por mais que me pergunte: Em nome de quê ?, sempre vou de encontro a um muro de trevas. Sinto-me perfeitamente à vontade perfeitamente vivo, sinto-me legítimo e, no entanto, à margem de todas as leis. Não encontro nem nas doutrinas do passado, nem nas filosofias contemporâneas, nem em mim, nenhuma resposta que me satisfaça. Vejo, nitidamente, todas as regras que não posso subscrever, mas não vejo nenhuma a que me possa submeter. De todas as disciplinas codificadas, nenhuma, nunca me pareceu, mesmo de longe, adaptar-se-me, poder explicar a minha conduta. E, apesar de tudo, vou para a frente; caminho mesmo com bom andamento, sem hesitação, mais ou menos rectamente! É estranho! Acho-me semelhante a um navio rápido que seguisse audazmente a sua rota e cujo piloto nunca tivesse tido bússola... Dir-se-ia que dependo de uma ordem! E isso acredito mesmo senti-lo: a minha natureza é ordenada. Mas qual é essa ordem?... Em todo o caso, não me queixo. Sou feliz. Não desejo de forma alguma ser outra coisa. Gostaria, apenas, de compreender porque sou assim. E entra um pouco de inquietação nesta curiosidade. Cada criatura terá o seu enigma? Encontrarei algum dia a chave do meu? Conseguirei formular a minha lei? Saberei algum dia em nome de quê?
R. Martin du Gard, Os Thibault


Sem comentários:

Enviar um comentário