Antoine, com os olhos
atraídos pelo retrato, reflectia, também ao ouvir Jenny, sobre
aquela noite no planalto, a chegada do avião fatal -aquele absurdo
sacrifício! Pensava na inutilidade trágica daquele heroísmo, e de
tantos outros ... Na inutilidade de quase todos os heroísmos. Várias
recordações de guerra vinham-lhe ao espírito, sublimes e vãs!
«Quase sempre -pensava- é um erro de raciocínio que está na base
dessas corajosas loucuras: uma confiança ilusória em certos
valores, a respeito dos quais não se indagou, friamente, se mereciam
a suprema abnegação ... » Ele tinha -até ao fetichismo- o culto
da energia e da vontade; mas a sua natureza repudiava o heroísmo; e
quatro anos de guerra ainda tinham aumentado essa repugnância. Não
procurava, de modo algum, diminuir o acto do irmão. Jacques morrera
em defesa das suas convicções; tinha sido coerente consigo mesmo,
até ao sacrifício. Tal fim não podia inspirar senão respeito.
Mas, sempre que Antoine pensava nas «ideias» de Jacques, deparava
com esta contradição fundamental: como é que o irmão que, com
todas as forças do seu temperamento e da sua inteligência, odiava a
violência -(e esse ódio inato não o tinha ele provado quando não
hesitava em arriscar a vida para lutar contra a violência, para
pregar a confraternização e a sabotagem da guerra?) -como é que
então pudera, durante anos, militar pela Revolução social, isto é,
sustentar a pior das violências, a violência teórica, calculada,
implacável, dos doutrinários? «Jacques, afinal, não era nenhum
ingénuo -pensava ele. - Jacques não tinha muitas ilusões acerca da
natureza do homem, para esperar que a Revolução total que ele
aguardava se pudesse realizar sem injustiças sangrentas, sem uma
hecatombe de inúmeras vítimas expiatórias!»
R. Martin du Gard, Os Thibault
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