domingo, 2 de março de 2014

Antoine, com os olhos atraídos pelo retrato, reflectia, também ao ouvir Jenny, sobre aquela noite no planalto, a chegada do avião fatal -aquele absurdo sacrifício! Pensava na inutilidade trágica daquele heroísmo, e de tantos outros ... Na inutilidade de quase todos os heroísmos. Várias recordações de guerra vinham-lhe ao espírito, sublimes e vãs! «Quase sempre -pensava- é um erro de raciocínio que está na base dessas corajosas loucuras: uma confiança ilusória em certos valores, a respeito dos quais não se indagou, friamente, se mereciam a suprema abnegação ... » Ele tinha -até ao fetichismo- o culto da energia e da vontade; mas a sua natureza repudiava o heroísmo; e quatro anos de guerra ainda tinham aumentado essa repugnância. Não procurava, de modo algum, diminuir o acto do irmão. Jacques morrera em defesa das suas convicções; tinha sido coerente consigo mesmo, até ao sacrifício. Tal fim não podia inspirar senão respeito. Mas, sempre que Antoine pensava nas «ideias» de Jacques, deparava com esta contradição fundamental: como é que o irmão que, com todas as forças do seu temperamento e da sua inteligência, odiava a violência -(e esse ódio inato não o tinha ele provado quando não hesitava em arriscar a vida para lutar contra a violência, para pregar a confraternização e a sabotagem da guerra?) -como é que então pudera, durante anos, militar pela Revolução social, isto é, sustentar a pior das violências, a violência teórica, calculada, implacável, dos doutrinários? «Jacques, afinal, não era nenhum ingénuo -pensava ele. - Jacques não tinha muitas ilusões acerca da natureza do homem, para esperar que a Revolução total que ele aguardava se pudesse realizar sem injustiças sangrentas, sem uma hecatombe de inúmeras vítimas expiatórias!»
R. Martin du Gard, Os Thibault
 

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