segunda-feira, 28 de abril de 2014

Avaria na electricidade, ontem à noite, que me impediu de escrever. Queria fixar esta admirável noite de estrelas cadentes.
Tão quente, que eu me levantei, lá pela uma hora, para abrir as venezianas. Da cama, mergulhava o olhar naquele lindo céu de verão. Nocturno, profundo. Um céu que se diria inteiramente em explosões de shrapnells, uma chuva de fogo, um correr de estrelas em todos os sentidos. Lembrei-me da ofensiva do Somme, das trincheiras de Maréaucourt, das minhas noites de Agosto de 16; as estrelas cadentes e os foguetes dos ingleses, cruzando-se, misturados e num feérico fogo de artifício.
Disse então comigo, (e estou certo de que é a pura verdade), que um astrónomo, habituado a viver em pensamento nos espaços interplanetários, deve ter muito menos desgosto do que qualquer outro em morrer.
Pensei muito tempo, muito tempo, em tudo isto. Com o olhar perdido no céu. Nesse céu sem limites, que recua à medida que aperfeiçoamos os nossos telescópios. Pensamento apaziguante. Esses espaços infinitos, onde giram lentamente multidões de astros semelhantes ao nosso Sol, e onde este Sol-que nos parece imenso, que é, creio eu, um milhão de vezes maior do que a Terra-não é nada, nada mais do que uma unidade entre miríades de outras ...
A via láctea, uma poeira de astros, de sóis, em torno dos quais gravitam milhões de planetas, separados uns dos outros por centenas de milhões de quilómetros! E todas as nebulosas, donde sairão outros enxames de sóis futuros! E os cálculos dos astrónomos estabelecem que esse formigamento de mundos ainda não é nada, não ocupa senão um lugar ínfimo na imensidade do Espaço, nesse Éter que se adivinha todo sulcado, todo fremente, de radiações e de interinfluências gravíticas, de que nós ignoramos tudo.
Só ao escrever isto, a imaginação cambaleia. Vertigem que faz bem. Esta noite, pela primeira vez, pela última talvez, pude pensar na minha morte com uma espécie de calma, de indiferença transcendente. Liberto da angústia, quase estranho ao meu organismo perecível. Eu, uma infinitesimal e totalmente desinteressante migalha de matéria...
Jurei olhar o céu, todas as noites, para tornar a encontrar essa serenidade.
E agora, o dia. Um novo dia. 
R. Martin du Gard, Os Thibault 

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