Avaria na electricidade,
ontem à noite, que me impediu de escrever. Queria fixar esta
admirável noite de estrelas cadentes.
Tão quente, que eu me
levantei, lá pela uma hora, para abrir as venezianas. Da cama,
mergulhava o olhar naquele lindo céu de verão. Nocturno, profundo.
Um céu que se diria inteiramente em explosões de shrapnells,
uma chuva de fogo, um correr de estrelas em todos os sentidos.
Lembrei-me da ofensiva do Somme, das trincheiras de Maréaucourt, das
minhas noites de Agosto de 16; as estrelas cadentes e os foguetes dos
ingleses, cruzando-se, misturados e num feérico fogo de artifício.
Disse então comigo, (e
estou certo de que é a pura verdade), que um astrónomo, habituado a
viver em pensamento nos espaços interplanetários, deve ter muito
menos desgosto do que qualquer outro em morrer.
Pensei muito tempo, muito
tempo, em tudo isto. Com o olhar perdido no céu. Nesse céu sem
limites, que recua à medida que aperfeiçoamos os nossos
telescópios. Pensamento apaziguante. Esses espaços infinitos, onde
giram lentamente multidões de astros semelhantes ao nosso Sol, e
onde este Sol-que nos parece imenso, que é, creio eu, um milhão de
vezes maior do que a Terra-não é nada, nada mais do que uma
unidade entre miríades de outras ...
A via láctea, uma poeira
de astros, de sóis, em torno dos quais gravitam milhões de
planetas, separados uns dos outros por centenas de milhões de
quilómetros! E todas as nebulosas, donde sairão outros enxames de
sóis futuros! E os cálculos dos astrónomos estabelecem que esse
formigamento de mundos ainda não é nada, não ocupa senão um lugar
ínfimo na imensidade do Espaço, nesse Éter que se adivinha todo
sulcado, todo fremente, de radiações e de interinfluências
gravíticas, de que nós ignoramos tudo.
Só ao escrever isto, a
imaginação cambaleia. Vertigem que faz bem. Esta noite, pela
primeira vez, pela última talvez, pude pensar na minha morte com uma
espécie de calma, de indiferença transcendente. Liberto da
angústia, quase estranho ao meu organismo perecível. Eu, uma
infinitesimal e totalmente desinteressante migalha de matéria...
Jurei olhar o céu, todas
as noites, para tornar a encontrar essa serenidade.
E agora, o dia. Um novo
dia.
R. Martin du Gard, Os Thibault
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