Quero somente dizer que o
teu pai, como os impulsivos, dava a impressão de ter sobre a maioria
das questões pontos de vista diversos, às vezes contraditórios, e
que ele mesmo não conseguia coordenar. De que não conseguia, pelo
menos, tirar uma certeza precisa, sólida, durável, directivas
nitidamente orientadas. A sua personalidade, também, era composta de
elementos heterogéneos, opostos e igualmente imperiosos-o que
constituía a sua riqueza-mas entre os quais tinha dificuldade em
fazer uma escolha, e de que jamais soube compor um todo harmonioso.
Daí a sua eterna inquietação, e aquele mal-estar apaixonado em que
sempre viveu.
É possível, aliás, que
em graus variáveis, todos nós sejamos semelhantes a ele. Nós,
quero dizer: os que nunca aderiram a um sistema já construído; os
que-por não terem, em certo momento da sua evolução, adoptado uma
filosofia precisa, uma religião, uma dessas plataformas estáveis,
colocadas uma vez por todas fora de ataque, fora de discussão-estão
condenados a fazer periodicamente a revisão dos seus pontos de
apoio, e a improvisar equilíbrios sucessivos.
R. Martin du Gard, Os Thibault
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