sábado, 26 de julho de 2014

A floresta cerrava-se em torno de ambos, ocultando os vulcões. Contudo, ainda não escurecera. Da corrente que deslizava paralelamente ao caminho, desprendia-se o alvor de uma radiação. Grandes flores amarelas, parecidas com crisântemos, resplandecendo como estrelas no seio da obscuridade, cresciam numa e noutra margem. Buganvílias selvagens, salientando-se num vermelho cor de tijolo; à meia-luz, aqui e além, um tufo de campainhas brancas, como cálices tombados, surgiam-lhes no caminho; de vez em quando. avistavam, pregada a uma árvore, uma tabuleta em forma de seta, meio arruinada pelo tempo, onde se lia em letras quase dei idas o seguinte: a la Cascada.
Mais adiante, relhas velhas e chassis enferrujados e torcidos de carros americanos abandonados cavalgavam a corrente, que lhes ficava sempre à mão esquerda.
Agora, o som das quedas de água, já afastadas, perdia-se no ruído mais forte da cascata que lhes ficava em frente. O ar estava saturado de orvalho e de humidade. Se não fosse o tumultuar das águas, quase poderia ouvir-se as plantas crescerem, enquanto essas mesmas águas se precipitavam por entre a folhagem que de toda a parte brotava à sua volta, naquele solo de aluvião.
De repente, o céu rasgou-se novamente sobre eles. As nuvens, que já haviam perdido a tonalidade vermelha, mostravam-se agora de um branco azulado e de extrema luminosidade, flutuando em grandes massas, mais parecendo iluminadas pela Lua do que pela luz do Sol. Entre essas nuvens, desabrochava ainda o profundo e insondável azul-cobalto do céu daquela tarde.
As aves subiam nele, elevando-se cada vez a maior altura. Ave infernal de Prometeu!
Eram abutres que, em terra, tão ciosamente combatem uns com os outros, corrompendo-se com o sangue e a podridão, mas que ainda são capazes de ascenderem, como aquele, acima das tempestades, a alturas apenas partilhadas pelo condor, acima dos cumes andinos...
Mais em baixo, a sudoeste, a Lua ia-se preparando para seguir o Sol sob o horizonte. À esquerda de ambos, por entre as árvores e para lá da corrente, erguiam-se colinas baixas, como as que se viam ao fundo da Calle Nicaragua, de ar melancólico e tonalidade purpúrea. No sopé dessas elevações e tão perto que Yvonne distinguia sons, embora fraquíssimos, o gado ia-se deslocando nos terrenos ondulados, por entre pés de milho cor de oiro e misteriosas tendas de riscas.
À sua frente, o Popocatepelt e o Ixtaccihuatl continuavam a dominar o nordeste. A Mulher Adormecida parecia, naquele momento, o mais belo dos dois vulcões, com as linhas quebradas do seu perfil cobertas de uma neve que o pôr-do-sol coloria de tons sangrentos no cimo e se ia descolorindo à medida que eles se aproximavam, flagelado por carregadas sombras de rochedos e com o cume como suspenso no ar, graças a uma corda de nuvens negras e pavorosas que parecia cortá-lo nas alturas. 
Malcolm Lowry, Debaixo do Vulcão

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