quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

A minha propensão, e dos como eu, para o Existencialismo - ou aquilo que se podia, em dado momento, entender pelo termo -, era um artigo importado de França, adaptado às circunstâncias da Alemanha em escombros, que se podia usar como máscara e que nos assentava bem, a nós, os sobreviventes dos "escuros anos», como o período do poder nacional-socialista era descrito; ajudava às poses trágicas. Víamo-nos, conforme era sombrio o humor, ou numa encruzilhada ou diante do abismo. E a humanidade, no seu conjunto, devia estar numa posição igualmente de risco. Para o estado de espírito de base, o poeta Benn e o filósofo Heidegger forneciam citações oportunas. O resto ficava a cargo da morte atómica, radicalmente posta à prova e de esperar nos tempos mais próximos.
Deste negócio movimentado da liquidação total fazia parte o cigarro agarrado ao lábio inferior. Virado de lado e para baixo, indicava a direcção e baloiçava, tanto aceso como frio, durante as conversas que se prolongavam pela noite fora, em que era feito o balanço do ser, sob o traço final do humano enquanto o "estar-atirado de todo o ser». Tratava-se sempre do sentido dentro do absurdo, do indivíduo e das massas, do eu lírico e do nada omnipresente. Uma das figuras discursivas recorrentes era a do suicídio, também chamado morte voluntária. Ponderá-la, fumando, num círculo de pessoas, era de bom-tom.
Gunter Grass, Descascando a Cebola
 

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