sábado, 9 de maio de 2015

Não me faltava que fazer. Havia anos que vinha reunindo sem interrupção os elementos preparatórios para um grande estudo, em dois volumes, sobre Balzac e sobre a sua obra, mas nunca encontrara a coragem necessária para dar início a um trabalho de tal envergadura e de tão grande fôlego. Porém, foi exactamente a minha falta de coragem que me deu coragem para avançar. Retirei-me para Bath, precisamente para Bath, porque essa cidade, onde escreveram muitas das melhores figuras da gloriosa literatura inglesa, sobretudo Fielding, apresentava aos olhares apaziguados um reflexo mais fiel e mais expressivo de um outro século mais pacífico, o século XVIII, do que qualquer outra cidade de Inglaterra. Mas como era doloroso o contraste entre essa paisagem abençoada por uma beleza suave e a inquietação crescente que reinava no mundo e nos meus pensamentos! Tal como o mês de Julho de 1914 tinha sido o mais belo que me lembro de ter vivido na Áustria, também esse Agosto de 1939 em Inglaterra teve uma provocadora magnificência. Era outra vez o mesmo céu suave, de um azul sedoso, como uma tenda de paz armada por Deus, outra vez essa benfazeja luz do sol sobre prados e florestas, e também o esplendor indescritível das flores - era a mesma paz imensa sobre a terra, enquanto os seus habitantes se armavam para a guerra. Tal como antes, a loucura parecia-me inverosímil perante aquela florescência calma, durável, exuberante, perante aquele sossego que respirava e que se deleitava consigo próprio nos vales de Bath, os quais, pela sua doçura, me faziam lembrar secretamente a paisagem de Baden, naquele ano de 1914.
E de novo me recusei a acreditar. E de novo me preparei, tal como então, para uma viagem de Verão.
Stefan Zweig, O Mundo de Ontem 

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