domingo, 30 de agosto de 2015

A noite caía. A laguna apagava-se pouco a pouco, e ia perdendo a sua cor verde. À superfície da água corriam ainda sombras cinzento-malva, numa fosforescência vaga.
Eu tirara do bolso, maquinalmente, as fotografias que queria mostrar a Freddie, entre elas a de Gay Orlow em criança. Não notara até então que ela estava a chorar. Era possível adivinhá-lo pelas sobrancelhas franzidas. Por um instante, os meus pensamentos levaram-me para longe da laguna, para o outro lado do mundo, para uma estância balnear do Sul da Rússia, onde havia muito tempo aquela fotografia fora tirada. Uma rapariguinha regressa da praia, com a mãe, ao fim da tarde. Chora sem motivo, ou porque queria continuar a brincar. Afasta-se. Já dobrou a esquina da rua - e não se dissiparão, ao anoitecer, as nossas vidas, tão depressa como aquele gesto de criança?
Patrick Modiano, Na Rua das Lojas Escuras

Sem comentários:

Enviar um comentário