domingo, 7 de fevereiro de 2016

O sol cadente lança garridos raios acobreados por sobre o céu coberto de areia, e todos os pássaros da Pérsia se juntam para cantar uma última vez em coro. Lentamente, com a escuridão, chega o silêncio, e os pássaros preparam-se para dormir com adejes cada vez mais lentos, como uma criança que se cobre com a roupa da cama. E então eleva-se outra nota, um bemol quente e metálico que, tímido a princípio, ganha coragem, vibrando sem parar, e depois, como se os segundos violinos entrassem em cena de mansinho, passa a ser duas notas, ora uma, ora outra, à qual responde uma terceira do outro lado do espelho de água. Mahun é famosa pelos seus rouxinóis. Mas eu prefiro celebrar as rãs. Entretanto, saí para o pátio, para a escuridão abrigada das árvores. De repente, o céu limpou, e a Lua reflectiu-se por três vezes, uma vez na cúpula e duas nos minaretes. Nesse preciso momento, surge na varanda sobre a entrada um círculo de luz ambarina, e um peregrino começa a entoar o seu cântico. Segue-se-lhe o som da água a correr em fio para os canteiros plantados de fresco. Estou finalmente na cama. O quarto tem dez portas e onze janelas, através das quais assobia e se precipita um furacão de vento e de gatos em busca de ossos de galinha. E as rãs continuam a chamar umas pelas outras: aquela nota vibrante e iridescente consegue abrir caminho pelo meu sono adentro. Acordo com um gato a tentar abrir a minha lancheira com tal fúria que se eu fosse arrombador de cofres gostava de o ter como ajudante. A corrente de ar abana-me a cama. Espero que Ali Asgar esteja mais quente no alojamento dos derviches, mas de manhã não me atrevo a reclamar com ele porque há quinze anos o general Sykes disse-lhe que Mahun era um paraíso. A manhã está iminente, deixa cair os seus véus cinzentos, chega - e como se acordados pela batuta de um maestro autoritário, os pássaros encetam novo canto, um hino ensurdecedor e estridente ao Sol, enquanto do outro lado do quarto um bando de corvos se lança, para não ser esquecido, num concurso de grasnadelas. E, subitamente como antes, o silêncio volta, quando os primeiros raios de sol sobem furtivamente ao palco. Lá fora, em frente à porta, Ali Asgar e o derviche atiçam um tabuleiro de carvão com um abanador e reanimam o samovar com todos os cuidados. Ouvem-se passos: - Ya Allah! - O derviche responde: - Ya Allah! O peregrino entoa as suas orações matinais da varanda, com prolongados semitons nasais que me fazem pensar no Monte Atos. Um arco de ouro ilumina a cúpula azul e o céu cobre-se de um algodão rosado. Aqui vem Ali Asgar com o tabuleiro do chá.
Robert Byron, A Estrada para Oxiana 

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