domingo, 20 de março de 2016

Os camelos... Um dia, estudaria a fundo esses viajantes daquela paisagem, animais tão imutáveis como monumentos, genuínos através dos séculos, todos eles antigos, fosse qual fosse a sua idade. Passava muito tempo—involuntariamente, era certo—a estudar a sua forma curiosa. Enquanto esperava que o desconjuntado autocarro o conduzisse do palácio, após uma visita, aos montes onde agora vivia, observava os camelos que passavam em longos e lentos cortejos ou descansavam, enquanto os seus condutores se refaziam com gasosa engarrafada e arroz de caril. A estrutura do camelo era única: um esqueleto do formato do casco de um barco, mas apoiado em quatro pernas angulosas, que terminavam em enormes patas almofadadas, com machinhos que eram autênticos dispositivos à prova de choque, igualmente úteis na areia macia do deserto e nos carreiros pedregosos dos montes. A curva baixa do pescoço equilibrava o dorso alto e corcovado e terminava pela cabeça pequena e melancólica, de boca frouxa, beiço inferior móbil e pendente e olhos tristes, de pálpebras pesadas. Uma estranha alma espreitava através desses olhos um mundo que o camelo não se dava ao trabalho de compreender e que só podia aceitar até certo ponto. Se se sentia demasiado sobrecarregado, ou se o condutor feria, por meio de qualquer indiferença, as suas susceptibilidades, era capaz de se deitar suavemente no chão e de permanecer assim, imóvel, num protesto eloquente, até morrer. No entanto, os camelos não eram todos só alma e suavidade. Possesso de uma cólera súbita, um camelo não hesitava em lançar o seu hálito fétido ao rosto de quem o magoara, até este desmaiar, com o fedor insuportável. Embora estivesse convencido de que sabia tudo acerca de camelos, ainda na véspera o padre Francis Paul compreendera quanto se enganava, ao assistir ao estranho comportamento de um desses animais. No interior do enorme arcaboiço do camelo em questão soara um rugido semelhante ao eco distante da trovoada, nas montanhas, um eco que, através não se sabia de que canais, chegara à garganta e depois à boca do bicho, da qual irrompera um balão de membrana vermelha, com sessenta centímetros de diâmetro. O sacerdote ficara estupefacto.
Que é aquilo?— perguntara ao condutor bil, acocorado na poeira, numa semi-sonolência, depois de ter comido e bebido.
O homem bocejara e coçara a cabeça, antes de responder:
Quem sabe? É a sua maneira de se divertir.
Assim parecia, de facto. O sacerdote observara enquanto o camelo, terminado o estentóreo arroto, recolhia a membrana. Aquela terra antiga, aquela Índia, era muito rica em surpresas, grandes e pequenas. Não passava um único dia sem novos espectáculos, novos sons e novos cheiros.

Pearl S. Buck, Mandala

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