domingo, 24 de julho de 2016

Esta época, esta vida que se desagrega, terão ainda uma realidade? A minha passividade aumenta de dia para dia, não que eu me gaste ao contacto de uma realidade mais forte do que eu, mas porque por toda a parte se me depara o irreal. Tenho a consciência absoluta de que apenas na acção devo procurar o sentido e a ética da minha vida, mas adivinho que este tempo já não tem tempo para consagrar à única actividade verdadeira, à actividade contemplativa do filósofo. Tento filosofar, mas onde a dignidade do conhecimento? Não se extinguiu ela há muito frente a frente à evidência da desagregação do seu objecto? Não se teria degradado em vãs palavras a própria filosofia? Este mundo sem essência, este mundo sem estabilidade, mundo que já não pode encontrar nem conservar o seu equilíbrio senão numa velocidade crescente, fez do seu movimento arrebatado uma pseudo-actividade para o homem, a fim de projectar este no nada; — oh! existirá por- ventura mais profunda resignação do que a de uma época que já não é capaz de filosofar? A própria meditação filosófica transformou-se num jogo estético, um jogo que deixou de existir, introduziu-se na rotação estéril das engrenagens do mal, é uma ocupação para burgueses que entretém o tédio das suas noites: só nos resta o número, só nos resta a lei! 
Hermann Broch, Os Sonâmbulos

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