quinta-feira, 8 de março de 2018


Há muito tempo já que eu penso que a arte não é uma categoria, um domínio que abranja uma infinidade de noções e de fenómenos com as suas diversas ramificações; penso, pelo contrário, que a arte é qualquer coisa de restrito, de concentrado, isto é, um princípio fundamental, um elemento da própria obra de arte, aquilo que encontra nela a sua aplicação, a porção de verdade que revela. Nunca entendi a arte como um objecto ou um aspecto da forma, mas sim como um elemento misterioso e oculto do conteúdo. Tudo isto é para mim claro como a água, a dificuldade está em exprimir-me, em formular com nitidez esta ideia. As obras falam-nos de muitas maneiras: graças aos temas, às situações, aos objectivos, aos heróis. Mas o que importa é a parcela de arte que na obra se esconde. A arte das páginas do Crime e Castigo emociona-nos mais do que o crime propriamente dito de Raskolnikov. A arte primitiva, a arte egípcia, a arte grega, a arte actual têm sido sempre através dos milénios uma só e única coisa, a arte (sempre no singular). O que a constitui é um pensamento, uma posição perante a vida, que é demasiado universal para que nos seja possível decompô-la em palavras isoladas; e quando um átomo dessa força se insere em algo de complexo, essa parcela de arte torna-se o centro em torno do qual tudo o mais gira, torna-se a essência, a alma e o fundamento desse conjunto.
Boris Pasternak, Doutor Jivago

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